15.10.05

Santa TERESA DE ÁVILA

FORMOSURA QUE EXCEDEIS!


Formosura que excedeis
mesmo as grandes formosuras!
Sem ferir, sofrer fazeis,
e sem sofrer desfazeis
o amor das criaturas.
Oh, laço que assim juntais
duas coisas tão díspares!
Não sei porquê vos soltais,
pois atado força dais
para ter por bem os pesares.
Quem não tem ser vós juntais
com o Ser que não se acaba;
sem acabar acabais,
e sem ter que amar amais,
engrandeceis vosso nada.

(tradução de José Bento)
[nascido a 15 de Outubro de 70 a. C, faria hoje, portanto, 2075 anos, se fosse vivo]

PUBLIUS VERGILIUS MARO

BUCÓLICA SEXTA


Foi esta nossa Tália a que primeiro
verso siracusano vos compôs
e sem corar os bosques habitou.
Quando eu cantava os reis e seus combates
Cíntio me aconselhou pegando orelha:
«Títiro, o que convém a um pastor
é cuidar das ovelhas e ter verso
fácil e simples.» Vou então agora
ser poeta dos matos cuja frauta
modesta também seja. Que poetas,
Varo, sempre terás cuja ambição
seja a de irem cantando teus louvores
nessas funestas guerras. Se estes versos
tiverem um leitor que delas goste,
também a ti, ó Varo, hão-de cantar
tamargueiras e bosques, que obedeço
ao que me for mandado. Febo quer,
a tudo a preferindo, aquela página
que teu nome trouxer como motivo.
Piérides, em frente, que Mnasilo
e Crómis, os dois jovens, encontraram
a Sileno deitado numa gruta,
como sempre bem cheio todo o corpo
dos licores de Iaco. Da cabeça
as coroas lhe tinham descaído,
no chão a cantarinha ainda à mão.
Os moços, já que o velho muitas vezes
os trouxera ao engano na esperança
de lhe ouvirem o canto, o prendem firme
com as próprias grinaldas. Em socorro,
que tímidos estavam, Egle veio,
Egle, a mais formosa das Formosas
que são todas as Náiades, e pinta
ao Silvano que estava despertando
as têmporas e testa com amoras
que lhe deixaram tudo como em sangue.
Se riu ele da manha: «Por que atais
estes laços assim? Soltai-me, jovens,
já basta que se veja que tivestes
para tanto o poder. E vos direi
de versos meus o que saber quereis.
E para ela tenho eu outro favor.»
Logo começa e se podiam ver
Faunos e feras em cadência juntos
dançar como dançavam dos carvalhos
as balançadas copas. E jamais
gostou tanto o Parnaso de ouvir Febo
e tanto a seu Orfeu apreciaram
as montanhas do Ísmaro e Ródope.
Ela cantava como se um imenso
vazio houvesse e nele se juntassem
as sementes das terras, mares, ares
e do fluido fogo, os elementos
logo depois, também a pouco e pouco,
ganhando consistência o curvo céu,
em seguimento endurecendo o solo,
nos oceanos a ficar Nereida,
tomando sua forma tudo o que há.
A Terra com espanto viu brilhar
o sol-nascente, viu cair a chuva
das nuvens lá nos altos, começaram
os bosques a surgir e a vir andadndo
esparsos animais por virgens montes.
Cantou depois das pedras que atirou
Pirra e dos reinos que Saturno teve
e das aves do Cáucaso e do furto
que foi de Prometeu, da fonte de Hilas,
marinheiro a chamar e, pela costa,
por toda a costa, os ecos «Hilas! Hilas!»
A Pasífae cantou ele também,
a que feliz seria se jamais
existissem rebanhos, pudesse ela
com amor de novilho consolar-se.
As filhas de Proteu, com os mugidos,
os seus falsos mugidos, supuseram
ter os campos enchido, mas jamais
caíram na vergonha de se unir
a brutos animais, embora o medo
houvesse nelas de puxar arado
e por vezes passassem algum tempo
a procurar na fronte os rijos cornos.
Virgem sem sorte vaga nas montanhas
enquanto ele, deitado nos jacintos,
corpo de neve estende e sob azinho
rumina claras ervas ou persegue
uma qualquer novilha. E vós, ó Ninfas,
ó Ninfas de Dicte, fechai aos bosques
todo o passo que houver, para que a nós
se não revele, por qualquer vestígio,
esse errante bovino, que talvez
amor de verde pasto ou de rebanho
ou novilha lhe desse tentação
de penetrar estábulos gortínios.
Depois canta ele a moça que, atraída
pelo pomo de Hespéria, lá ficou;
em seguida, as irmãs de Faetonte
prendem amarga casca assim fazendo
que do chão brotem fortes amieiras.
Logo cantou de Galo o seu errar
nas margens do Permesso e de que modo
outra irmã o levou até Aónia,
de Febo ao coro e em honra do Herói
todos se levantaram; como Lino,
o pastor que como um deus cantava
e seu cabelo ornava de aipo amargo
com flores junto disse a ele um dia:
«A ti calamos dão Musas as que outrora
ao velho ascreu os deram, com os quais
costumava, cantando, os duros olmos
fazer descer do monte; dize tu
as origens do bosque de Guireu
para que nele tenha orgulho Apolo.»
Quem cantarei agora será Cila,
de Nilo filha, a que cingiu de monstros
suas alvas virilhas e tormenta
deu às naus de Dulíquio, os assustados
nautas dilacerando os cães marinhos?
Ou será o que disse de Tereu
sua metamorfose e dos presentes
que lhe deu Filomela, com a fuga
que ele fez para os ermos, com as asas
que a infeliz ganhou para voar
por cima dos abrigos que lá tinha?
Tudo o que Febo outrora compusera,
com o ditoso Eurotas o cantando
e logo o transmitindo a seus loureiros
cantou então Sileno, com os vales
em seu eco o lançando para os astros
até chegar a hora da recolha
de ovelhas ao redil e despontar
Vésper no céu para pesar de Olimpo.

(de Obras de Virgílio, tradução do latim do Prof. Agostinho da Silva, Temas e Debates, 1997)

12.10.05

[hoje é dia]

JOSÉ AUGUSTO MOURÃO


jubilação de nomes

ajuda-nos, Deus,
a sair do labirinto das coisas (mal)ditas,
a meada da retórica
que debita a máscara

tu que és a graça e o rigor
das linhas desenhada,
a onda que regressa e que advém
neste intervalo de terra prometida
e de deserto

empresta ao nosso ouvido
a graça da rocha mãe do solo,
a cedência ao ritmo do que vem de longe,
e se não prescreve

e que a tua alegria permaneça

(de dizer DEUS ao (des)abrigo do Nome, Difusora Bíblica, 1991)

11.10.05




RUY VENTURA

memória


mal oiço o som do alaúde em tua casa.
não consigo ver a pomba
voando sobre a cinza,
no sepulcro da ruína e desta alma.
exumei com os olhos
o mosaico que rodeava, talvez, esse coração ?
mergulhado na água e na melodia.

séculos depois, encontro esse rosto
tão cedo escondido.
desenhado no mármore.
como numa fotografia.
esse sorriso escavando a penumbra da nave ?

a iluminação das lágrimas
no interior do vidro.

Mérida - estela funerária de Lutatia Lupata (séc. II d. C.)

(do inédito Habitação do Tempo, gentilmente enviado pelo Autor)