31.8.04

[entretanto, estejam atentos à retoma]

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

(...)
Não posso repetir as suas palavras: não as decorei e isto passou-se há muitos anos. E também não entendi inteiramente o que ele dizia. E algumas palavras mesmo não as ouvi, porque o vento rápido lhas arrancava da boca.
Mas lembro-me de que eram palavras moduladas como um canto, palavras quase visíveis que ocupavam os espaços do ar com a sua forma, a sua densidade e o seu peso. Palavas que chamavam pelas coisas, que eram o nome das coisas. Palavras brilhantes como as escamas de um peixe, palavras grandes e desertas como praias. E as suas palavras reuniam os restos dispersos da alegria da terra. Ele os invocava, os mostrava, os nomeava: vento, frescura das águas, oiro do sol, silêncio e brilho das estrelas.
(...)

(excerto de Homero, in Contos Exemplares, 1962)
[parto amanhã a caminho de Santiago de Compostela, como peregrino]

DANTE ALIGHIERI

(...)
Então um lume a nós se aproximou
da esfera onde saíra essa primícia
que Cristo por vigário nos deixou;
e a minha dama cheia de letícia,
me disse: «Mira, mira: eis o varão
por quem na terra se vai ver Galícia.»
(...)

(excerto do Canto XXV de Paraíso, in A Divina Comédia, tradução de Vasco Graça Moura, 2ª ed.: Bertrand, 1996)